Uma Perspectiva Católica de Avivamento

Introdução: A Maravilhosa Presença de Deus

O tema do Avivamento me cativa há muitos anos. Conheci gente muito séria – como os irmãos do Ministério Impacto – e gente muito “louca” também. Por meio do Ministério Impacto conheci Ângelo Bazzo, de São Leopoldo/RS (terra onde morei e conheci minha esposa, Vanessa); ele reside atualmente em Monte Mor/SP, onde lidera o Movimento Convergência. Ouvi uma pregação dele sobre “o Evangelho” que muito me edificou. Embora tenhamos muitos amigos em comum e Monte Mor seja muito próximo a Paulínia, ainda não tive a oportunidade de ter qualquer contato com ele (gostaria muito!).

Assisti uma mensagem na qual Ângelo falava sobre o projeto de Deus de fixar a Sua morada aqui na terra. O “venha o Teu Reino” é uma oração sacerdotal – como afirma Mike Shea – que carrega uma profecia e expressa o plano de Deus: “Porei o meu tabernáculo no meio de vós” (cf. Lv 26, 11). “Quando houver a Convergência de um povo sacerdotal orando com entendimento ‘Pai, santifica o Teu nome… Venha o Teu Reino… Faça-se a Tua vontade na terra como ela é feita no céu’… Deus fará a Sua habitação aqui, numa experiência sensível, e este será o Avivamento.” A maravilhosa presença (parousia) do Senhor e o louvor e a adoração de um povo sacerdotal que ministra com os anjos, como lhe é devido, gera a paixão que caracteriza o ministério desses homens. Aleluia!

Testemunhos sobre os Avivamentos do passado relatam como as pessoas eram impactadas pela presença de Deus nos lugares em que os mesmos ocorreram. Tomadas de contrição, choravam por seus pecados; eram curadas de suas enfermidades, libertas da opressão do mal, reavivadas na fé e enviadas para a Missão. Glória a Deus!

O anseio da atual geração de avivalistas é, também, que se gere um “lugar” para a “presença”. Em outras palavras, para ter uma avivamento que perdure no tempo se faz necessário uma ambiência apropriada, com disposições específicas.

Um contraponto?

Não demorou muito, porém, para que toda a paixão pela Divina Liturgia e toda a herança Bimilenar da Fé Eucarística – que por misericórdia habitam o meu coração – viessem como um tipo de “resposta” ou “contraponto”, numa primeira instância: Nenhuma experiência sensível da presença de Deus superará a augusta presença Eucarística (nem a coluna de fogo, nem a nuvem). Nenhuma expressão de louvor e adoração, igualmente, superará a Divina Liturgia. O Concílio Vaticano II afirmou, na Sacrossantum Concilium:

“Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos, nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; por meio dela cantamos ao Senhor um hino de glória com toda a milícia do exército celestial, esperamos ter parte e comunhão com os Santos cuja memória veneramos, e aguardamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até Ele aparecer como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória.”

“A liturgia é uma parousia antecipada, a irrupção do “já” no “ainda não”», escreveu o cardeal Joseph Ratzinger.

No livro “O Banquete do Cordeiro”, Scott Hahn escreve:

Hoje em dia, a maioria de nós associamos parousia com a segunda vinda de Jesus no fim do mundo. E isto é verdade sim; São João e Jesus estavam falando do final da história. Penso, no entanto, que também — e principalmente — estavam falando do fim de um mundo: a destruição do Templo de Jerusalém, e com ela o fim do mundo da Antiga Aliança, com seus sacrifícios e rituais, e suas barreiras entre céu e terra. A parousia (ou vinda) de Jesus seria mais que um final; seria um começo, uma nova Jerusalém, uma Nova Aliança, um céu e uma terra novos.

Tanto São João como Jesus se referem não só a uma distante parousia, ou retorno, mas à contínua parousia de Jesus, que teve lugar na primeira geração cristã, como continua tendo lugar hoje. Não deveríamos esquecer que o sentido original da palavra grega parousia é “presença” e a presença de Jesus é real e permanente no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Por isso, quando João e Jesus disseram “logo”, creio que diziam muito literalmente. Pois a Igreja é o reino que já começou sobre a terra, e é o lugar da parousia em cada Missa.

São João, talvez o maior mestre no método da tipologia bíblica, diz, no primeiro capítulo do Apocalipse: “No primeiro dia da semana, eu, João, vi”. Há, aqui, uma clara alusão ao Domingo, o Dia do Senhor no qual tradicionalmente se celebrava a Eucaristia.

Muitos estudiosos (até mesmo protestantes) confirmam o fato de que existe, no Apocalipse, um rito, uma liturgia acontecendo. As descrições de São João batem perfeitamente com o Templo construído por Salomão (que por volta daquele tempo já havia sido destruído). João vê candelabros, altar, sacerdotes paramentados, o cordeiro, incenso, anjos, santos, a virgem Maria como a Nova Arca da Aliança e a mulher vestida de Sol; há frases e respostas, momentos de exultação e momentos de um profundo silêncio.

Em seu testemunho de recepção na Igreja Católica, o Dr. Hahn afirma:

Só quando comecei a participar da missa que muitas partes deste “livro quebra-cabeças” – O Apocalipse – começaram de repente a se encaixar. Não passou muito, eu consegui ver o sentido do altar da Revelação (Ap 8,3), seus sacerdotes revestidos (Ap 4,4), velas (Ap 1,12), incenso (Ap 5,8), o maná (Ap 2,17), os cálices (Ap 16), o culto dominical (Ap 1,10), a importância dada à Santíssima Virgem Maria (Ap 12,1-6), O “Santo, Santo, Santo “(Ap 4,8), o Glória (Ap 15,3-4), o sinal da Cruz (Ap 14,1), o Aleluia (Ap 19, 1.3.6), as leituras da Escritura (Ap 2-3) e o “Cordeiro de Deus” (muitas e muitas vezes). Tudo isso não são interrupções da narrativa ou detalhes acidentais, são a substância do Apocalipse.

O Dr. Hahn nos faz perceber o que, para um judeu daquele tempo, seria nítido e revelador: João vê o Templo! O templo é o lugar do sacrifício, do sacerdócio, da liturgia, da celebração da aliança. Vejamos o que o Doutor diz a respeito:

No Templo, como no céu de João, o menorah (sete candelabros de ouro, Ap 1,12) e o altar do incenso (8,3-5) estavam diante do Santo dos Santos. Quatro querubins esculpidos adornavam as paredes no Templo, como as quatro criaturas viventes que serviam diante do trono no Céu joanino. Os vinte e quatro anciãos de Apocalipse 4,4 (em grego presbyteroi, de onde provém o termo “presbíteros”) copiam as vinte e quatro divisões sacerdotais que oficiavam o Templo ao longo do ano. O “oceano transparente como um cristal” (Ap 4,6) era a grande piscina de bronze do Templo, com capacidade de 50.000 litros de água. No centro do Templo apocalíptico, tal como no Templo de Salomão, estava a Arca da Aliança (Ap 11,19).

O Apocalipse era uma revelação do Templo – mas, para os judeus devotos e os convertidos ao cristianismo, ele também revelava muito mais.  Pois o Templo e suas ornamentações apontavam às realidades mais elevadas. Como Moisés (veja Ex 25,9), o rei Davi tinha recebido o plano do Templo do próprio Deus:

“Tudo isso segundo o que o Senhor tinha escrito com sua própria mão para tornar compreensível todo o trabalho cujo modelo ele dava” (1Cr 28,19).  O Templo deveria ser construído imitando a corte celeste: “Mandaste-me construir um templo no vosso santo e um altar na cidade onde fixaste a tua tenda: cópia da tenda santa que preparaste desde a origem”. (Sb 9,8)

De acordo com as antigas tradições judaicas, a adoração no Templo de Jerusalém imitava a adoração dos anjos no céu. O sacerdócio levítico, a liturgia da aliança, os sacrifícios eram um espelho dos modelos celestes.

Scott escreve:

O livro do Apocalipse apontava ainda para algo diferente, algo maior. Enquanto Israel orava imitando os anjos, a Igreja do Apocalipse adorava junto com os anjos (19,10). Enquanto somente os sacerdotes eram permitidos no lugar sagrado do Templo de Jerusalém, o Apocalipse mostra uma nação sacerdotal (5,10; 20,6) vivendo sempre na presença de Deus. Daí em diante não haveria já um arquétipo celeste e uma imitação terrena. O Apocalipse agora revelava um único culto compartilhado por homens e anjos!

Olhe de novo e descubra que o fio de ouro da liturgia é o que sustenta as pérolas apocalípticas da visão de São João:

  • Culto dominical: Ap 1,10
  • Sumo Sacerdote: Ap 1,13
  • Altar: Ap 8,3-4; 11,1; 14,18
  • Sacerdotes (presbyteroi): Ap 4,4; 11,15; 14,3; 19,4
  • Ornamentos: Ap 1,13; 4,4; 6,11; 7,9; 15,6; 19,13-14
  • Célibes consagrados: Ap 14,4
  • Candelabros, ou menorah: Ap 1,12; 2,5
  • Penitência: Ap 2 e 3
  • Incenso: Ap 5,8; 8,3-5
  • Livro ou pergaminho: Ap 5,1
  • Hóstia Eucarística: Ap 2,17
  • Cálices: Ap 15,7; cap. 16; 21,9
  • O sinal da cruz (o tau): Ap 7,3; 14,1; 22,4
  • O Glória: Ap 15,3-4
  • O Aleluia: Ap 19, 1.3.4.6
  • Elevemos o coração: Ap 11,12
  • “Santo, Santo, Santo”: Ap 4,8
  • O Amém: Ap 19,4; 22,21
  • O “Cordeiro de Deus”: Ap 5,6 e ao longo de todo o livro
  • O lugar proeminente da Virgem Maria: Ap 12,1-6; 13-17
  • Intercessão de anjos e santos: Ap 5,8; 6,9-10; 8,3-4
  • Devoção a São Miguel: Ap 12,7
  • Canto de antífonas: Ap 4,8-11; 5,9-14; 7,10-12; 18,1-8
  • Leitura da Sagrada Escritura: Ap 2-3; 5; 8,2-11
  • Sacerdócio dos fiéis: Ap 1,6; 20,6
  • Catolicidade ou universalidade: Ap 7,9
  • Silêncio meditativo: Ap 8,1
  • O banquete nupcial do Cordeiro: Ap 19,9; 17

Em conjunto, estes elementos constituem muito do Apocalipse… e a maior parte da Missa. Outros elementos litúrgicos do Apocalipse podem passar facilmente inadvertidos aos leitores de hoje. Por exemplo, pouca gente sabe que as trombetas e as arpas eram os instrumentos oficiais da música litúrgica nos tempos de João, como o são hoje os órgãos no Ocidente. E ao longo da visão de João, os anjos e Jesus bendizem usando fórmulas litúrgicas estabelecidas: “bendito o que…”. Se você voltar a ler o Apocalipse de cima a baixo, se dará conta também de que todas as grandes intervenções históricas de Deus — pragas, guerras, etc.— seguem ao pé da letra ações litúrgicas: hinos, doxologias, libações, incensários.

O livro de Scott merece realmente ser lido na íntegra, mas o que fica claro e evidente aqui é que: O Apocalipse é a Liturgia Eucarística desde a perspectiva celestial, e Deus quis nos dar esta perspectiva quando inspirou o hagiógrafo. O cordeiro, que está imolado, mas está de pé e vive pelos séculos dos séculos, é o Cristo Jesus, presença real em nossos altares. Nossa liturgia de adoração é aquela mesma que São João viu numa experiência mística, enquanto era prisioneiro em Patmos. Aleluia!

Neste aparente contraponto, eu sou levado a pensar que qualquer reflexão e busca pela presença de Deus, bem como de um culto que lhe seja devido, não pode prescindir da Fé Eucarística – unânime nos primeiros dezesseis séculos de Cristianismo – e da liturgia advinda desta fé nas diversas tradições cristãs.

“As grandes revoluções cristãs não acontecem por meio da descoberta de algo desconhecido até então. Elas acontecem quando alguém aceita radicalmente algo que sempre esteve aí.” Yancey, Philip. Maravilhosa graça. São Paulo: Vida, 2007. p. 12.

Tudo aquilo que ansiamos sobre a presença de Deus e sobre um culto sobrenatural prestado ao Senhor por um povo sacerdotal… Já “está posto”. Já é uma realidade na Ação de Graças (Eucaristia).

Convergências

Eficácia e Eficiência

Os sacramentos, enquanto sinais sensíveis da graça, estão na categoria de Gratia Gratum Faciens (graça concedida para agradar) e comunicam eficazmente o que anunciam. Quem comunga, por exemplo, recebe infalivelmente o Corpo e o Sangue de Cristo. O mesmo se deve dizer do Batismo, do Crisma e assim por diante. Isto, contudo, nunca impediu a derrocada do cristianismo nos momentos de grave crise ao longo da história. Santo Tomás de Aquino nos ajuda a entender isto quando nos explica que “a graça pressupõe a natureza”. Santo Agostinho, Bispo de Hipona, relata que, em seu processo de conversão, chegara a um momento no qual já acreditava em tudo aquilo que a Igreja crê, mas não conseguia dar o passo porque sentia a resistência de sua natureza pecaminosa, até que, tocado pela graça de Deus enquanto lia as Escrituras – uma visitação da graça de Deus definida como gratia gratis data – depois de ouvir “toma e lê” (vozes que se assemelhavam a crianças brincando), ele se entrega a Cristo.

Em outras palavras: O ministério do Espírito Santo – como define São Paulo ao regime da Nova Aliança – é hierárquico e carismático, o que faz da Igreja instituição e carisma (dimensões coessenciais). Embora tenhamos, na dimensão hierárquica, a comunicação infalível da graça de Deus, necessitamos – e temos à nossa disposição! – a ação “carismática” do Espírito Santo da qual jamais se deve prescindir, sob pena de entregarmos eficazmente os tesouros da graça em almas na quais estes tesouros não terão eficiência: Não acontece mudança de mentalidade e de vida, não se imprime um novo sentido para a vida.

Isto me faz perceber que o anseio manifesto pelos avivalistas – um “mover sobrenatural, na ordem da gratia gratis data – é algo totalmente lícito e necessário. A eficácia do culto litúrgico e dos sacramentos não é colocada em questão. O fato é que uma realidade verdadeiramente eclesial jamais dispensará a necessidade deste mover para proveito do homens.

Um “lugar” para “conter” a Presença

O despertar de um povo sacerdotal, adorando sobrenaturalmente, na Augusta Presença de Deus tem um “locus” específico: A Divina Liturgia. O grande avivamento do nosso tempo é Eucarístico. Quando o amor, o zelo e a intensidade que estão sendo pregadas por homens como Ângelo Bazzo e Mike Shea se encontrarem com a fé Eucarística… A expressão cúltica do avivamento terá encontrado o seu “locus” privilegiado onde homens e anjos entram no Kairós e adoram, em Espírito e Verdade, ao Cordeiro, numa união entre céu e terra, unindo o “já” e o “ainda não”, antegozando a presença até que Ele venha.

O avivamento espiritual trará a verdadeira reforma litúrgica cujo alvo não são os manuais litúrgicos, mas o coração do homem. Avivados pela pregação explícita da Páscoa da Nova Aliança – o centro do Evangelho, o conteúdo do Anúncio (kerygma) – seremos conduzidos ao mais profundo arrependimento de nossos pecados; em seguida, choraremos os pecados da nossa geração e clamaremos por salvação da nossa terra, da nossa nação, dos nossos irmãos. Pregaremos a Páscoa… Anunciaremos a Páscoa, seremos transformados pelo mesmo Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos, e que habita em nós, e que nos faz clamar “Abbá Pai”, e que nos faz declarar que “Jesus Cristo é o Senhor” e que nos inspira, como Esposa do Cordeiro, a clamar “Maranatá, Vem Senhor Jesus!”. Ratificaremos a nossa salvação na celebração Eucarística, presentificação da Páscoa da Nova Aliança… Cantaremos os louvores do Senhor como reino de sacerdotes e o próprio Jesus, na Pessoa do Ministro Ordenado, presidirá a nossa Adoração unindo céus e terra. Nossas reuniões de oração serão extensão da mesa Eucarística. Seremos um povo que não cessa de render graças e nossas reuniões de oração serão, nesta ação de graças, um “intervalo para a ação de graças” entre a última Missa e a próxima na qual participaremos!

Instituição e Carisma

Falar de avivamento ou reavivamento é tocar numa realidade inerente à dimensão carismática da Igreja, dimensão constitutiva da essência mesma da Igreja. Existe um dinamismo na Igreja, próprio de um organismo vivo, que constantemente coloca a Igreja sob a influência de grandes “correntes de graça”, que surgem não por fruto do planejamento ou pela via hierárquica e institucional, mas por “geração espontânea”.

Foi assim logo nos primeiros séculos, quando a perseguição lhes fazia buscar e receber, constantemente, um derramamento do Espírito Santo “semelhante a Pentecostes”, como atesta o livro dos Atos dos Apóstolos.

Foi assim quando a tibieza abateu à Igreja, no Século IV, e muitos foram impelidos a irem para o deserto, dando origem ao Movimento Monástico que tocou a toda a Igreja (não somente aos monges). Os sinais e prodígios atestados nos atos dos apóstolos e na geração sub-apostólica e apologética dos primeiros Padres da Igreja continuaram a ser atestados, tanto na vida dos que assumiram a via eremítica e monástica, como Santo Antão, São Pacômio, Santo Atanásio, Santo Hilarião, São Bento de Núrsia e São Gregório Magno, quanto na vida de homens influenciados pelo monaquismo, como Santo Ambrósio, São Jerônimo e Santo Agostinho;

Por volta do ano 600 d.C. até mesmo o monasticismo perdera muito de sua vitalidade. Quando os monastérios se tornaram ricos, em virtude do acúmulo das propriedades da comunidade, começaram a surgir, em alguns deles, a preguiça, a avareza e a glutonaria. Do século V ao Século XI, a Europa havia sido arrasada por ondas sucessivas de invasores bárbaros. Primeiro veio a onda de invasões germânicas, e então surgiu o tormento do Islã. Os anos de 900 a 1000 foram especialmente sombrios devido às hordas de tribos asiáticas e piratas escandinavos e sarracenos que pilharam a Europa. O Espírito Santo fez surgir um período chamado de a era da fé: uma primavera para a Igreja! Ele emergiu de uma longa e sangrenta noite de invasões bárbaras para um maravilhoso período de vida. Foi nesse período que floresceu uma cálida devoção a um Jesus manso e pessoal. Os homens tinham uma fé própria da infância espiritual, simples e enraizada, que lhes tornou possível descobrir novas dimensões do amor e da caridade humana. A fé nos milagres superabundava nas pessoas. Novas ordens, como os cistercienses, os franciscanos e os dominicanos surgiram. Estas novas ordens, especialmente os franciscanos e dominicanos, pregavam o evangelho entre o povo. Conhecidos como os frades pregadores, pregavam o evangelho na língua do povo e ajudavam de diversas maneiras. Eles imitavam os discípulos de Jesus, saíam para pregar nas missões sem dinheiro ou excedentes, colocando-se assim numa posição de dependência de Deus e à mercê do povo. Ademais, eles não podiam senão observar as instruções e promessas de Jesus concernentes aos milagres. Isso facilitou a manifestação dos milagres bíblicos nos seus ministérios e em suas vidas. Neste período, surgiram homens e mulheres como São Bernardo de Claraval, Santa Hildegarda de Bingen, São Domingos de Gusmão, São Francisco de Assis, Santo Antônio de Pádua, São Vicente Férrer, Santa Catarina de Sena, São Tomás de Aquino e São Boa Ventura;

No Século XVI o Espírito suscitou grandes reformadores como Santa Teresa D’Ávila, São João da Cruz e Santo Inácio de Loyola. Em virtude das grandes navegações, uma nova onda de evangelização das nações nunca antes alcançadas pelo Evangelho fizeram surgir homens como São Francisco Xavier, São José de Anchieta, Santo Isaac Jogues e muitos outros, cuja pregação era acompanhada de milagres, prodígios e sinais. Houve uma grande efervescência mística nesta época, com homens como São João de Ávila e São Martinho de Porres. Este período fez surgir homens e mulheres que, com suas vidas, foram sustento para a Igreja até hoje, especialmente do século XVII ao XIX.

No ambiente da tradição protestante, cabe citar os Metodistas (século XVIII), os Irvingitas (séculos XVIII-XIX) e os Avivamentos Americanos ligados ao Movimento de Santidade (século XIX).

O Século XX, considerado por muitos “O Século do Espírito”, viu surgir o Movimento Pentecostal e Carismático, o Movimento Bíblico, o Movimento Litúrgico, o Movimento Ecumênico, a Ação Católica, os Movimentos Eclesiais, uma série de Novas Congregações e Institutos. Santos Mártires como Maximiliano Kolbe e Edith Stein e místicos como Pio de Pieltrecina e Faustina Kowalska.

Existe, portanto, um dinamismo, eu repito, que vem tocando a superfície da Terra e visitando a Igreja para capacitá-la em face dos desafios de cada tempo. É, portanto, profundamente católico rezar por um reavivamento. O Avivamento é consequência, eu repito, da dimensão carismática da Igreja. A respeito da essência da Igreja, afirmara São João Paulo II:

“Repetidas vezes sublinhei que na Igreja não existe contraste nem contradição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática […] Tanto uma como outra são coessenciais na constituição divina da Igreja fundada por Jesus, uma vez que concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério de Cristo e a sua obra salvífica no mundo.”

Para muitos “avivalistas”, porém – até mesmo católicos! – um Mover, quando se torna Movimento marcha para, futuramente, não passar de um Monumento. Sob esta máxima, afirmam que o mover manter-se sempre como “corrente de graça”, “sopro”, “vento”. Ao se “institucionalizar” – segundo eles! – a corrente de graça fica reduzida a um simples Movimento, uma realidade necessariamente engessadora do Espírito, e isto causará, inevitavelmente, a extinção da unção do Espírito. Foi muito comum, nos avivamentos anteriores, ver o rompimento com as estruturas vigentes para viver unicamente do mover e no mover. E por isso, infelizmente, a história dos avivamentos protestantes testificam a incapacidade de uma unção que perdure na história por, pelo menos, mais de cem anos.

Qual seria, por outro lado, a visão católica de Avivamento da Comunidade Eclesial? O Evangelho diz:

“Não se coloca tampouco vinho novo em odres velhos; do contrário, os odres se rompem, o vinho se derrama e os odres se perdem. Coloca-se, porém, o vinho novo em odres novos, e assim tanto um como outro se conservam.” Mt 9, 17.

Se a corrente de graça permanece “uma corrente de graça”, o vinho se perde. Quando a graça de Deus toca a história, isto pressupõe uma encarnação. Esta é a dinâmica da economia da Salvação. O Messias, para nos salvar, precisava se encarnar, motivo pelo qual a Virgem Maria se torna indispensável na história da salvação. Os carismas, quando exercitados, tornam-se ministérios (se encarnam em “serviço”).

Olhemos para a história da Igreja:

Uma corrente de graça visitou a Igreja no Século IV. Era um sopro espiritual que impelia à santificação pessoal, ao esvaziamento de si para ficar cheio de Deus. Na medida que esta corrente foi tocando a vida de pessoas, ela se encarnou e se tornou uma realidade eclesial tangível, com nome e sobrenome. Surgiram as primeiras Ordens Monásticas. Em outras palavras, o “mover”, a “corrente de graça”, o “reavivamento” se encarna, se institucionaliza, é recepcionado por uma realidade concreta que o próprio Espírito inspira, uma vez que não somente o vinho é novo, mas o Odre também. E é a partir destas realidades criadas pelo Espírito que a graça, trazida pelo mover, é ministrada aos demais membros do Corpo Místico de Cristo, sem romper, com aquilo que está vigente.

O mesmo aconteceu na Era da Fé. Um sopro espiritual que impelia à vivência radical da pobreza evangélica, da pregação inspirada e da vida contemplativa, ao tocar a vida das pessoas, se encarnou e criou as Ordens Mendicantes.

Salvatore Martinez, presidente da Renovação no Espírito Santo da Itália, costuma dizer que precisamos olhar para o Magistério sob uma hermenêutica de continuidade (e não de ruptura). São João Paulo II, falando, na maioria das vezes, para a Renovação no Espírito Santo da Itália, afirmava, sem hesitar, que a Renovação Carismática é um Movimento Eclesial. O Papa Francisco, falando para todas as expressões carismáticas ao redor do mundo, fala que a Renovação Carismática não é um Movimento, mas uma corrente de graça! Ora, eles estão se contradizendo? De modo algum! A afirmação de ambos é, necessariamente, complementar.

Em suma, quando você, José da Silva, bebe da corrente de graça pentecostal e carismática na Igreja Católica e quer ser um “carismático”, ou seja, quer fazer a sua pertença eclesial, precisa, obrigatoriamente, pertencer a uma instituição, um Odre que contém este vinho. Não faz pertença Eclesial “a uma corrente de graça”, porque a corrente é “mover”, é “vento”, é “sopro”.

O Avivamento precisa de um Odre que o receba. O avivamento precisa da Igreja, das Comunidades, das paróquias, dos Institutos.

É neste sentido que o Papa Bento XVI afirmara:

“Tal como na Igreja as instituições essenciais são carismáticas, assim os carismas devem de uma forma ou outra institucionalizar-se, para que haja coerência e continuidade. Assim, ambas as dimensões, originárias do Espírito Santo através do Corpo de Cristo, concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo.”

A leitura dos Estudos bíblicos do Dr. Scott Hahn, da trilogia “Jesus de Nazaré”, do Papa Emérito Bento XVI, do documento da 5ª Fase do Diálogo entre a Igreja Católica e alguns Líderes do Pentecostalismo Clássico (“Tornar-se Cristão”), provoca-nos o desejo de ver “Anúncio” (Kerygma/Martyria), “Celebração” (Liturgia/Mistagogia) e “Caridade” (Diaconia) coexistindo vigorosamente, sob o impulso dos Dons Hierárquicos e Carismáticos. Ver catecúmenos fazendo uma “experiência crítica e de sentido” com a pessoa viva de Jesus, revelado pelo Pai no Espírito Santo; uma experiência “selada”, “ratificada” nos Sacramentos; ver irmãos e irmãs já recebidos nos sacramentos fazendo esta mesma “experiência crítica e de sentido” e experimentando um “despertar” de “ativação”, de um “reinflamar” (anazopirein) da graça do Espírito.

Aquilo que o Pentecostalismo e o Movimento Carismático chamam de Batismo com/no Espírito Santo, cuja evidência era normativa e “liturgia pública” nos primeiríssimos séculos (cf. Dr. Killian McDonnell e Dr. George Montague), passaria a ser uma realidade para todo cristão, e não “a identidade de um único movimento” ou algo que torna “singular” a um determinado grupo de cristãos. As Escrituras NUNCA divorciaram tudo isso da vida cristã comum e a tradição bimilenar nos dá testificação de que nada disto cessou. Ainda é para hoje, ainda é para nós.

O fluir sucessivo e imprevisível de avivamentos é manifestação da Dimensão Carismática da Igreja. Contudo, sem a dimensão institucional, qualquer “mover” se torna carente de eclesialidade; o “vinho novo” exige a existência de Odres que o contenham (não no sentido de “limitar”, mas de “receber”). A dimensão institucional, por sua vez, é renovada pelo Espírito (posto que os dons hierárquicos são, também, ação do Espírito, obviamente!) para, como “Odre Novo”, receber o vinho.

O Avivamento deste tempo exige a renovação do Odre (não a substituição ou, pior, a sua extinção para o surgimento de uma Igreja “pietista”, “puro vento”). Existe um fogo, e este fogo está purificando e unindo a Igreja visível para um visível derramar do Espírito. Num tempo de indiferença religiosa, de ateísmo e, no Cristianismo, de Apostasia, uma Comunidade menor experimentará a “reintegração da unidade visível do Corpo de Cristo” (que já é realidade espiritual) e este Odre Novo atrairá o “vinho novo”, a fim de que “o Espírito e a Esposa digam ‘vem’, ‘maranata’, ‘vem, Senhor Jesus’ “, e esta prece seja respondida definitivamente.

O Avivamento precisa da Instituição (caso contrário, não passará de um “mover” que se esvaece com o passar do tempo). Os que estão sendo avivados neste tempo precisam olhar – de modo renovado – para o “anúncio”, para a “celebração” (liturgia/mistagogia) e para a “caridade”, a fim de que a Instituição seja permeada, curtida pelo vinho novo (como ocorre com o Odre, curtido pelo vinho).

A existência – hoje – dos odres que contiveram cada um dos avivamentos históricos a seu tempo permite que um jovem do Século XXI possa, hoje mesmo, entrar numa Ordem Cisterciense para beber do mesmo carisma que animou a vida de São Bernardo de Claraval, ou numa Cartuxa e beber do carisma de São Bruno. É evidente, porém, que estes odres precisam do incessante contato com “o vinho que receberam”; as experiências da graça na ordem da gratia gratis data não podem cessar.

Todos estes “Odres” não são outra coisa se não Atos 2, 42: O derramamento do Espírito faz nascer a Comunidade. O Senhor seguirá inspirando novas formas de aliança entre irmãos para a vivência do novo e vivo caminho.

Concluindo

A unidade dos Cristãos gera ou é resultado do avivamento? Acredito que a resposta é: As duas coisas! Precisamos que surjam os mártires – as testemunhas! – que possam promover a convergência. O mover carismático e institucional se reclamam para que a Esposa do Cordeiro – a Igreja! – resplandeça!

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