O Texto abaixo é a transcrição da conferência que ofereci durante o Congresso de Pneumatologia do Centro Universitário Ítalo-Brasileiro. Sua linguagem coloquial e repetitiva, em alguns momentos, dá-se pela tentativa de um tom mais informal.
O meu nome é Fernando Nascimento, eu sou casado com a Vanessa, pai do Rafael, da Maria Fernanda, da Maria Isabela, do Daniel, da Maria Cecília, da Maria Elena e da Maria Clara; sou Diretor do Centro de Estudos Sobre a Rocha de Pedro. Sou Formado em Artes Liberais no College of Classical Humanities dos Legionários de Cristo, nos Estados Unidos. Estudei filosofia no Ateneu Pontifício Regina Apostolorum em Roma.
Abordarei o tema da Renovação Carismática nas Igrejas Históricas e, de cara, eu preciso fazer algumas afirmações:
- Não! A Renovação Carismática não é uma realidade isolada, existente apenas na Igreja Católica (aliás, a Igreja Católica foi praticamente a última tradição cristã a receber a Renovação Carismática);
- O que são as Igrejas Históricas? Nós usamos o termo Igrejas Históricas para distinguir a Igreja Católica, a Igreja Ortodoxa e as primeiras confissões nascidas da Reforma Protestante (Luteranos, Anglicanos, Episcopais, Presbiterianos, Metodistas, Batistas, Menonitas e outras) das Igrejas nascidas a partir do Pentecostalismo (Assembleia de Deus, Congregação Cristã, etc.);
- Alguns, de modo bastante superficial, chamam a Renovação Carismática Católica de infiltração protestante no catolicismo. Um dos meus compromissos nessa palestra é responder a esta acusação.
Para falarmos sobre a Renovação Carismática nas Igrejas Históricas nós precisamos definir o que é a Renovação Carismática. Os Estatutos dos Serviços Internacionais para a Renovação Carismática Católica – CHARIS (serviço erigido pela Santa Sé) afirmam que a Renovação Carismática é parte de uma corrente de graça ecumênica. Ao afirmar isso, a Santa Sé faz referência direta a uma “graça de renovação” pré-existente ao Movimento Carismática Católica do qual ele faz parte.
E que “corrente de graça” é essa? Quais são as suas características?
A corrente de graça à qual a Santa Sé faz referência nos Estatutos caracterizou-se por uma grande efervescência espiritual que pôs em evidência a “dimensão carismática da Igreja de Cristo”, da Comunidade dos legitimamente batizados. Dentre as diversas características, duas são como que o coração desta corrente de graça e constituem um binômio:
- Em primeiro lugar, está Uma Experiência de Deus “Crítica” e “de sentido” , como afirmou o Padre Heribert Mühlen na Obra “Fé Cristã Renovada”, que foi recebendo vários nomes com o passar do tempo: Santo Inácio de Loyola chamou de “segunda conversão”, Santa Teresa D’Ávila chamou de segunda ou terceira morada, John Fletcher chamou de Batismo no Espírito Santo, o Movimento de Santidade chamou de “segunda benção” (distinguindo da “primeira benção” que seria a “conversão para a salvação”). Nas Renovações Carismáticas firmou-se o termo Batismo no Espírito Santo, embora também se empregue o termo “efusão do Espírito Santo”, entre outros. Experiência “crítica” no sentido etimológico da palavra: gera uma mudança total de mentalidade. Experiência “de sentido” enquanto imprime uma nova perspectiva pela qual viver a partir dali.
- A segunda parte deste binômio, como consequência dessa experiência de Deus, é caracterizada pela evidência dos “charismata” em larga escala, manifestando-se não apenas na esfera privada – algo que nunca cessou na história bimilenar da Igreja – mas, agora, em Assembleias inteiras e de modo corrente (não eventual e esporádico).
A manifestação dos Carismas em assembleias inteiras é vista esporadicamente durante o Movimento Monástico (quando monges missionários levam a fé aos Bárbaros) e durante o Movimento Mendicante. Na esfera privada, porém, nunca cessaram de se manifestar. Nas Igreja Históricas Protestantes se fala de manifestações em assembleias inteiras, de modo esporádico, entre os Morávios e durante o Movimento de Santidade com os chamados “Grandes Despertamentos” – o primeiro ocorrido entre 1726 e 1750 e o segundo entre 1800 e 1840. Embora tenham acontecido em assembleias inteiras, foram manifestações esporádicas. A partir do Movimento Pentecostal, porém, as manifestações carismáticas se tornaram correntes e parte da “liturgia pública”.
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No fenômeno pentecostal, aqueles que fizeram a experiência do Batismo no Espírito Santo e manifestaram carismas em larga escala foram quase sempre expulsos de suas igrejas de origem. Estes, por sua vez, formaram as primeiras Igrejas nascidas do Pentecostalismo, chamadas também de “Pentecostais Clássicas”. Duas marcas constituem quase que um denominador comum entre os pentecostais clássicos:
- Para algumas Igrejas do Pentecostalismo Clássico, o “Batismo no Espírito Santo” se apresenta como um “segundo batismo”, distinto do “batismo nas águas”; o “Batismo no Espírito Santo” seria um revestimento de poder para o testemunho cristão e para a santidade enquanto o “batismo nas águas” seria a manifestação pública da aceitação de Cristo mediante a fé – para a salvação – cumprindo o mandato de batizar em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Cabe recordar que, entre os pentecostais clássicos, esta experiência de salvação ocorre quando a pessoa recebe a testificação interior do Espírito para arrepender-se de seus pecados e crerr em Jesus para a salvação; neste momento, para os pentecostais clássicos, a pessoa é salva. O Batismo nas Águas será a manifestação pública desta aceitação de Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O batismo no Espírito Santo, por sua vez, seria uma ação subsequente e distinta pela qual a pessoa é revestida para o testemunho cristão.
- Vertentes Pentecostais oriundas do Movimento de Santidade (influenciadas por autores como Edward Irwing, que, por sua vez , influenciou Charles Parham e William Seymour) consideravam, ainda, a “segunda benção” como uma capacitação para a santidade e o Batismo no Espírito Santo seria uma “terceira benção”: uma manifestação de Poder do Espírito com evidência dos carismas (em primeiro lugar, as línguas estranhas como evidência);
- A segunda marca dos Pentecostais Clássicos é a consideração dos Charismata como evidência do Batismo no Espírito Santo (apenas com a distinção sistemática de “segunda” ou “terceira benção”). Para a maioria das Igrejas Pentecostais Clássicas, o falar em línguas – seja glossolalia, seja xenoglossia – é a evidência do batismo no Espírito Santo. Para outras, sobretudo a partir do Movimento de Cura Divina (da década de trinta em diante) a evidência do Batismo no Espírito Santo poderia ser qualquer manifestação de dom espiritual (a cura, por exemplo);
Durante as seis primeiras décadas (1901-1960) o pentecostalismo foi excluído do que era considerado cristianismo respeitável nos Estados Unidos – de onde nos vem as principais referências sobre o assunto “Renovação Carismática” e “Pentecostalismo” – e no resto do mundo. Os pentecostais eram barulhentos e, para alguns, desordeiros. O modo de adorar deles estava além do entendimento daqueles que não conheciam a espiritualidade interior que orienta o pentecostalismo. Acima de tudo, os pentecostais eram pobres, desprivilegiados, sem instrução e viviam alheios às últimas tendências teológicas que interessavam à maior parte das Igrejas Históricas. Movimentos como o modernismo e o “Evangelho Social” eram desconhecidos da maioria dos pentecostais, e os poucos que atentavam pra esses assuntos… o faziam com a intenção de condená-los. Na verdade, havia muita ignorância de ambos os lados. A reação comum às Igrejas modestas e ao povo pobre era a rejeição, embora os pentecostais, a despeito de serem o que eram, realizassem um trabalho benéfico pra sociedade, ministrando aos pobres e excluídos que se sentiam hostilizados e pouco à vontade com a sofisticação e a riqueza das igrejas históricas.
A maioria dos protestantes e católicos, na verdade, não se dava conta do número crescente de pentecostais empenhados em implantar igrejas em praticamente todas as comunidades dos Estados Unidos. Práticas como o falar em línguas, profecias e a expulsão de demônios eram consideradas subprodutos bizarros da ignorância religiosa e de um entusiasmo desenfreado. De fato, durante a primeira metade do século XX era mútua a rejeição entre pentecostais, as principais igrejas e a maior parte da sociedade.
Mesmo assim, o povo desenvolveu profunda curiosidade em torno das atividades dos pentecostais. As pessoas espiavam pelas janelas das inúmeras igrejas pentecostais, intrigadas com o barulho e a exuberância que caracterizava os cultos. Na época, os que padeciam de graves doenças deixavam de lado a cautela e íam às reuniões de cura divina dirigidas por algumas das evangelistas pioneiras do pentecostalismo como Aimee Semple McPherson, por exemplo. Muitos doentes eram curados e se tornavam fervorosos crentes pentecostais. Essa decisão às vezes significava o rompimento de relações sociais importantes, já que os convertidos muitas vezes passavam a ser rejeitados pela família e pelos amigos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a situação começou a mudar, à medida que os pentecostais começaram a crescer. Nesse novo contexto, os pentecostais conquistaram certa projeção na sociedade, construindo templos enormes que chamavam a atenção do público. Depois de 1948, houve uma genuína explosão de interesse pelo movimento, com o surgimento de ministros de cura divina, como o evangelista Oral Roberts. Com a inauguração do ministério televisivo de Oral Roberts, a cura divina chegou à sala de estar dos lares norte-americanos. Era só uma questão de tempo para o pentecostalismo adentrar os templos das denominações históricas. Antes de 1960, os que falassem em línguas eram expulsos e por consequência forçados a unir-se a alguma igreja pentecostal. Nessa condição, provavelmente havia milhares que tinham de optar entre deixar sua igreja ou manter a experiência pentecostal em segredo para não serem obrigados a abandonar o púlpito.
Antes de 1960, muitos pastores de denominações históricas que tiveram a experiência pentecostal enfrentaram as reações mais diversas por parte dos líderes dessas igrejas. Entre eles, estava Harald Bredesen (luterano e mais tarde membro da Igreja Reformada Holandesa), Richard Winkler (episcopal), Tommy Tyson (metodista) e Gerald Derstine (menonita). A exemplo de muitos antes deles, Derstine foi silenciado no ministério Menonita, enquanto Tyson e Winkler foram submetidos a sabatinas eclesiásticas antes de receberem permissão para continuarem exercendo seu ministério.
Mas o grande marco inicial da Renovação Carismática nas Igrejas Históricas se deu através do pastor episcopal Dennis Bennet, da Paróquia de São Marcos, em Van Nuys, na Califórnia – Paróquia Episcopal, é claro – em 1959. Depois de falar em línguas, ele foi pressionado por sua congregação e pelo bispo a exonerar-se da Igreja. Seu resoluto testemunho acerca da validade da sua experiência causou um verdadeiro frenesi na mídia. O resultado foi o surgimento de um novo movimento, cujos seguidores receberam o rótulo de “neopentecostais” (termo que logo no início deixou de ser empregado, dando lugar ao termo “carismáticos”). Depois de deixar a Paróquia de São Marcos, o Reverendo Bennett exerceu seu ministério por duas décadas na Igreja Episcopal de São Lucas em Seattle, Washington, que se tornou um centro de irradiação da Renovação Carismática para todo o país. Não tardou para que uma avalanche de líderes aderisse ao movimento, seguindo a Bennett.
O fato, contudo, é que antes de Bennett muitos irmãos e irmãs, de Igrejas Históricas, haviam passado por experiências semelhantes.
Em 1907, depois que o avivamento da Rua Azusa chamou a atenção do mundo para os dons do Espírito, Alexander Boddy, pároco da Igreja Anglicana de Todos os Santos, em Sunderland, na Inglaterra, promoveu uma campanha de reavivamento espiritual em sua igreja. Por muitos anos, as convenções anuais de Sunderland funcionaram como centros de renovação da igreja na Inglaterra, Europa e Estados Unidos. Essa “renovação que faltava” – como alguns diziam – chegou ao fim principalmente por causa da Primeira Guerra Mundial e pela ausência de uma liderança mais capacitada.
Também em 1907, por intermédio de Gaston Cashwell, muitos pastores e membros da Igreja Batista do Livre-Arbítrio na Carolina do Norte falaram em línguas e levaram a renovação carismática para suas congregações. Esses primeiros batistas pentecostais sofreram rejeição por parte de muitos de seus irmãos nas associações batistas locais. Como resultado, organizaram em 1908 a Igreja Batista Pentecostal do Livre-Arbítrio, que hoje conta certa de 150 igrejas e 13 mil membros.
Em 1909, Willis Collins Hoover, médico estadunidense que se tornou missionário da Igreja Metodista Episcopal, recebeu notícias do que estava acontecendo nos Estados Unidos e na Índia a respeito do despertar pentecostal. Willis passou a buscar o reavivamento com as lideranças da Igreja Metodista de Valparaíso e Santiago; eclodiu lá uma experiência Pentecostal: falavam em línguas, profetizavam e “dançavam no Espírito”. Foram expulsos da Igreja Metodista.
Em 1909 o Pastor Luterano Jonathan Paul teve contato com a experiência pentecostal e iniciou diversos grupos de oração na Alemanha. Embora ele tenha recebido muita rejeição por parte dos demais pastores luteranos, Jonathan Paul seguiu seu caminho e permaneceu pastor luterano até sua morte.
Em 1932, um filósofo e teólogo da Igreja Reformada da França chamado Louis Dalliere teve uma experiência pentecostal. De 1932 a 1939, trabalhou através da Fundação da União de Oração, que, a partir de 1939, voltou a comunhão com a Igreja Reformada da França e Dalliere passou a ser considerado um “líder carismático” dentro da denominação. Através da fundação, Dalliere trabalhava pela renovação da Igreja reformada na França e estabeleceu diálogo com a Igreja Católica e Ortodoxa.
Em 1937, Ross Whetstone recebeu o batismo no Espírito Santo aos 18 anos de idade. No ano seguinte, juntou-se ao Exército de Salvação e foi promovido a oficial em 1939. Em 1950, transferiu sua ordenação para a Conferência Central de Nova York da Igreja Metodista.
Em 1947, Harald Bredesen fez a experiência do Batismo no Espírito Santo. Ele nasceu e cresceu num contexto luterano radical e tinha planos de se tornar ministro da igreja após concluir seu trabalho na assessoria do Conselho Mundial de Educação Cristã. Filho de um pastor luterano de Minnesota, ele frequentou o Seminário Teológico Luterano de St. Paul e serviu como pastor em regime de internato em Aberdeen, Dakota do Sul, antes de assumir seu posto em Nova York. Um tempo depois, Bredesen foi incentivado por vários líderes cristãos importantes a buscar a experiência do batismo no Espírito Santo, entre eles Pat Robertson e John Sherrill. Ele foi ordenado ministro da Igreja Reformada Holandesa e aceitou o convite para pastorear a congregação de Mt. Vernon, Nova York. Bredesen foi um “João Batista” do movimento de renovação carismática nas Igrejas históricas.
Em 1949 começam, na Espanha, os Cursilhos de Cristandade na Diocese de Maiorca, entre os Jovens da Ação Católica. Através destes retiros de três dias, muitos tiveram uma profunda experiência com Jesus Cristo e experimentaram uma genuína conversão. O movimento espalhou-se para a América Latina e, depois, para os Estados Unidos, e é da juventude do Cursilho que surge, em 1967, a Renovação Carismática Católica, por isso vale a pena situar o cursilho aqui… nessa linha histórica.
Em 1950, James Brown foi o primeiro e bem conhecido ministro presbiteriano a ter uma experiência com o dom de línguas e com a cura divina. Ele era pastor da Igreja Presbiteriana de Upper Octorara, perto de Parkesburgh, na periferia da Filadélfia, na Pensilvânia. Brown foi batizado no Espírito Santo e começou a falar em línguas. A experiência o fez se mover de um extremo liberalismo teológico para o cristianismo carismático evangelical. No início, Brown estava convencido de que não poderia permanecer na Igreja presbiteriana depois daquela experiência. Sem saber que rumo tomar, solicitou os conselhos de David Du Plessis. “Fique em sua igreja e renove-a”, foi a resposta do famoso líder pentecostal. Brown então seguiu o conselho com determinação.
Em 1952, enquanto pastoreava a Igreja Metodista Betânia, em Durham, na Carolina do Norte, Tommy Tyson recebeu o batismo no Espírito Santo e falou em línguas. Recebendo oposição dos colegas de presbitério, procurou seu bispo e lhe informou a intenção de deixar a Igreja. Seu bispo, por outro lado, dissuadiu-lhe. A partir de 1954, Tyson recebeu designação de evangelista autorizado e iniciou um ministério mundial de ensino e pregação responsável por conduzir milhares de ministros e leigos à experiência do batismo no Espírito Santo.
Num acampamento de “Escola Bíblica de Férias” na Igreja Menonita de Loman, Minnesota, sete igrejas enviaram 76 adolescentes para estudar a Bíblia no período entre o Natal de 1954 e o ano novo de 1955. O líder dessa escola especial era Gerald Derstine, pastor da Igreja Menonita de Lake Strawberry, em Minnesota. Uma oração intercessória pelos pais não convertidos foi dando lugar a uma experiência inusitada: Muitos tremiam, choravam, caiam ao chão e falavam em línguas. Em seguida, palavras de profecia de proporções mundiais começaram a sair. Derstine acreditou em tudo o que presenciou e ele mesmo foi batizado no Espírito Santo e falou em línguas. Em 1955, Derstine foi licenciado.
Em 1955, evangelistas batistas independentes que experimentaram o batismo no Espírito Santo organizaram algumas das maiores cruzadas de cura divina de que se tem notícia em Buenos Aires, na Argentina.
Em 1956, um clérigo episcopal americano, Richard Winkler, pároco da Igreja Episcopal da Trindade, em Wheaton, Illinois, foi batizado no Espírito Santo e falou em línguas. Pelo que se sabe, foi o primeiro pastor episcopal nos Estados Unidos a aderir abertamente ao movimento. Seu ministério sofreu tal reviravolta após ele ter recebido o batismo pentecostal que em sua igreja eram realizados cultos de cura divina, e muitos de seus membros receberam o batismo no Espírito Santo.
Em 1957, Pat Robertson recebeu o Batismo no Espírito Santo enquanto trabalhava como pastor assistente de Harald Bredesen na Igreja Reformada Holandesa de Mt. Vernon, em Nova York. Em 1959, num momento de oração, Harald Bredesen, Pat Robertson a alguns poucos amigos receberam uma profecia enquanto oravam: “Estou fazendo uma coisa nova na terra. Por que vocês estão imobilizados pelo medo? Não escondam nada! Não escondam nada!” O resultado do que aconteceu em Mt. Vernon não tem precedentes: O Editor sênior John Sherrill entrevistou Harald e se lançou numa aventura que o levou a receber o batismo no Espírito Santo. Ele ainda estava escrevendo a obra “Eles falam em outras línguas” quando Harald lhe apresentou um pregador chamado David Wilkerson. Juntos eles escreveram “A Cruz e o Punhal”, um dos livros mais vendidos da história. Ora, estes dois livros foram os que influenciaram profundamente o início da Renovação Carismática na Igreja Católica alguns anos depois!
Em 1958, John Osteen era um típico pastor batista do Sul. Sua filha, que nascera com paralisia cerebral, fora desenganada pelos médicos. Em desespero, o pai, pastor da Igreja Batista Memorial Hibbard, em Houston, no Texas, começou a estudar as promessas de cura divina na Bíblia. Tendo o interesse despertado pelos milagres registrados no Novo Testamento, Osteen orou pela filha e, para seu espanto e também alegria, a menina ficou imediatamente curada. Logo depois dessa fato, Osteen foi procurar os pentecostais de Houston que lhe explicaram o que era o batismo no Espírito Santo. Em pouco tempo, Osteen teve uma poderosa experiência pentecostal “com uma torrente de línguas”. Em 1961, ele e uma centena de seus irmãos transferiram seus cultos para um armazém e ali organizaram a Igreja Batista Lakewood.
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Também em 1958, Howard Ervin, da Igreja Batista Emanuel, em Nova Jersey, foi batizado no Espírito Santo; Howard escreveu uma das primeiras apologias à renovação carismática no livro “Eles não estão embriagados como vós pensais”.
Estes são alguns dos precedentes da Renovação Carismática nas Igrejas Históricas, anteriores ao que é considerado o grande marco inicial, como dizíamos no início: o Batismo no Espírito Santo do Reverendo Dennis Bennett.
Às 9 horas da manhã de um dia de novembro de 1959 – como relatou Bennett no seu livro Nine O’Clock in the Morning – ele estava ajoelhado na casa de alguns amigos. Impuseram-lhe as mãos e ele começou a falar em línguas. Em abril de 1960 Bennett relatou sua experiência a Paróquia Episcopal de São Marcos, que ele pastoreava e, como já dissemos, sofreu oposição de parte dos paroquianos e de seu Bispo. As revistas Time e Newsweek deram ampla cobertura ao fato e Bennett se tornou um líder do nascente movimento.
O movimento alastrou-se com rapidez pelas igrejas episcopais do sul da Califórnia depois que o caso de Bennett se tornou conhecido. Em 1963, a revista Christianity Today noticiou uma nova irrupção espiritual na qual 2 mil episcopais do sul da Califórnia falaram em línguas.
Como já mencionamos no início, Bennett foi acolhido por outro bispo. Seu nome era William Fischer Lewis, que lhe ofereceu a falida Paróquia de São Lucas, em Seattle. Em pouco tempo, todo o conselho paroquial e a maior parte dos membros da Igreja haviam sido batizados no Espírito Santo. Nos cultos de domingo pela manhã, mantinha-se a liturgia com fidelidade. Nas terças-feiras a noite aconteciam as reuniões de oração carismáticas que ficavam lotadas de gente e de poder do Espírito. Ao longo de 20 anos, a Paróquia Episcopal de São Lucas foi um dos mais importantes centros de irradiação da Renovação Carismática.
Outro importante centro de renovação episcopal foi estabelecido na Igreja do Redentor em Houston, no Texas. Muitos líderes episcopais e pastores de outras denominações foram a Houston para verificar como a adoração pentecostal poderia ser integrada à vida litúrgica e sacramental da Igreja.
De modo concomitante, Harald Bredesen, de origem Luterana, mas ordenado pela Igreja Reformada Holandesa, estava conduzindo muita gente a experiência do Batismo no Espírito Santo. Em 1963 ele foi um dos principais colaboradores da impressionante reunião realizada na Universidade de Yale, na qual muitos alunos falaram em línguas.
Um dos principais nomes da Renovação Luterana é o de Larry Christenson. Ele já ficara fascinado com a possibilidade da cura divina depois de ler um livro de Agnes Sanford (A luz que cura). Enquanto participava de um culto da Igreja do Evangelho Quadrangular, ouviu falar do Batismo no Espírito Santo com a evidência das línguas. Naquela noite, acordou na madrugada e, sentado na cama, falou em entra língua por um tempo, até que voltou a dormir. Sentiu uma maravilhosa sensação de louvor e alegria dentro de si. Christenson temeu por seu futuro como pastor luterano. Numa conversa com David du Plessis, ele foi aconselhado a permanecer na igreja luterana e promover o movimento de renovação entre seus pares.
Depois de Christenson, todos os ramos do luteranismo norte-americano foram afetados. Em 1970 os luteranos carismáticos começaram a coligar-se com o propósito de promover o movimento em suas igrejas. Produziram uma teologia luterana carismática e publicaram documentos e livros como “A Renovação Carismática entre os Luteranos”, “Bem-Vindo Espírito Santo” (todos sob coordenação de Christenson). Em 1979, 20% dos luteranos dos Estados Unidos faziam parte do movimento de renovação carismática.
Entre os presbiterianos, logo após o marco inicial com Bennett, surge a figura de Brick Bradford, que recebeu o batismo no Espírito Santo em 1966 num acampamento em Oklahoma. Depois de Bradford, sugiu Robert Whitaker. Por volta de 1967, um bom número de membros da Igreja Presbiteriana de Chandler, que ele pastoreava, falava em línguas. Não se falava em línguas nem havia imposição de mãos nos cultos regulares da Igreja, mas o avivamento estava em pleno vigor nos cultos familiares. Uma importante adesão ao movimento ocorreu em 1968, ano em que J. Rodman Williams recebeu o batismo no Espírito Santo enquanto trabalhava como professor de teologia sistemática no Seminário Teológico Presbiteriano de Austin, no Texas. Sendo já um teólogo conceituado entre os presbiterianos, William acrescentou à sua teologia um notável domínio das questões carismáticas.
Depois de Bennett, a renovação metodista foi encontrando portas abertas através de Tommy Tyson, que ficou amigo de Oral Roberts e passou a trabalhar com ele na Universidade, que se iniciara em 1965, abrindo a porteira para que outros metodistas fizessem o mesmo. Em 1968, Oral Roberts afiliou-se à Igreja Metodista.
Entre os Batistas, depois de John Osteen e a Igreja de Lakewood, destaca-se Howard Conatser na Igreja Batista de Beverly Hills, em Dallas. Nas Igrejas Batistas Americanas (antiga Igreja Batista do Norte) houve maior penetração do movimento carismático. O grande expoente, contudo, da renovação carismática entre os batistas foi Pat Robertson, já mencionado aqui, que em 1960 deu início à CBN e tornou-se lendário tanto no mundo religioso quanto na indústria televisiva dos Estados Unidos. Em 1988, Pat entrou na corrida pela candidatura à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano.
Entre os menonitas é interessante notar isto: havia um Bispo menonita chamado Nelson Litwiller que passou a aceitar o batismo no Espírito Santo por causa de carismáticos católicos de South Bend, Indiana, especialmente por causa de Kevin Ranaghan. O que acontece depois disso? Bem, a Igreja menonita é, sem dúvida, uma das mais permeadas pela renovação carismática!
Depois deste percurso histórico, formulo a pergunta: “O que é a Renovação Carismática”?
A Renovação Carismática é o despertar dos carismas – em larga escala e de modo recorrente nas Assembleias e grupos das Igrejas Históricas – a partir de uma experiência “crítica” e de “sentido” chamada Batismo no Espírito Santo. Na Renovação Carismática – enquanto realidade vivida pelas Igrejas Históricas – o batismo no Espírito Santo é entendido como “graça atual”, uma disposição sobrenatural concedida por Deus às almas que as capacita para a um novo e vivo entendimento a respeito de certas realidades sobrenaturais e à realização de atos que, sob o mero influxo natural, elas não realizariam. Neste sentido, a presença e os dons do Espírito, recebidos na Iniciação Cristã, fluem do interior e passam a ser experiência (uma vez que esses dons foram recebidos ainda na infância, na maioria dos casos, sem a possibilidade de uma tomada de consciência). Há uma tomada de consciência e uma apropriação do que foi recebido na iniciação cristã (isto para as Igreja Históricas pedobatistas).
Percebam, portanto, que a corrente de graça – da qual falam os Estatutos do CHARIS, erigidos pela Santa Sé – é a mesma que deu origem ao pentecostalismo clássico, no início do Século XX. Percebam que aquele binômio, do qual falávamos, permanece o mesmo: Batismo no Espírito
Santo e Carismas!
O que acontece na Renovação Carismática, contudo, é uma sistematização doutrinária a partir da Tradição de cada uma das Igrejas Históricas e uma aplicação e prática pastoral e missionária também a partir dessas tradições. Logo que a Renovação Carismática surgiu na Igreja Episcopal, na Igreja Luterana, na Igreja Presbiteriana, na Igreja Metodista, na Igreja Batista e assim por diante… Houve toda uma organização de um corpo eclesiástico que se preocupou em oferecer orientações teológicas e pastorais que recebessem a renovação de modo fiel às tradições de suas comunidades. Na Renovação Carismática, por exemplo, é inconcebível falar de “dois batismos” ou da necessidade de uma manifestação das línguas para considerar alguém cheio do Espírito Santo!
Na Igreja Católica, o Batismo no Espírito Santo e as manifestações carismáticas foram recebidas a partir da tradição bimilenar da Igreja. Pode-se dizer que a Renovação Carismática Católica é a recepção de elementos da experiência pentecostal que estão presentes no Depósito da Fé bimilenar da Igreja e constituem, por isso, aquilo que o Decreto Unitatis Redintegratio chama de “Patrimônio Comum”. Livros como “Católicos Pentecostais”, de Kevin Ranaghan, “Movimento Pentecostal Católico”, do Padre Edward O’Connor, “Batismo no Espírito Santo e Iniciação Cristã” dos Padres Killian McDonnell e George Montague, “Pentecostalismo entre os Católicos”, de René Laurentin e, sobretudo, os Documentos de Malines, organizados pelo Cardeal Leon Joseph Suenens com a participação de teólogos renomados como Joseph Ratzinger (o Papa Emérito Bento XVI) dentre outros, foram de suma importância nesta tarefa!
Na Itália a Renovação Carismática Católica teve seu primeiro grupo de oração – do qual se tem notícia – dentro da Universidade Gregoriana, com a participação do Padre Francis Sullivan, sj e do Pe. Robert Faricy, sj. Poucos anos depois, o hoje Cardeal Raniero Cantalamessa, Patrólogo e Professor em Milão, engrossaria as fileiras desta Renovação Italiana, profundamente conhecida no mundo por radicar a experiência carismática na tradição católica dos santos e dos doutores.
A Renovação Carismática Católica, portanto, é o reconhecimento da catolicidade da experiência do Batismo no Espírito Santo e do exercício dos carismas.
Uma analogia possível é, por exemplo, a que se faz com o movimento mendicante; já havia um movimento de desprezo pelas coisas materiais no período em que surgiram os Santos Francisco e Domingos… o movimento mendicante, antes deles, era de tendência Gnóstica e Maniqueísta; com São Francisco de Assis e São Domingos de Gusmão, a pobreza realmente evangélica foi encontrada e se reconheceu a sua catolicidade. Embora a Renovação Carismática tenha chegado a nós por meio dos pentecostais e carismáticas de outras tradições cristãs, foi recepcionada e encontrou-se a catolicidade da Renovação Carismática.
Algumas vezes, por ignorância ou maldade – não cabe a mim julgar! – se diz que a Renovação Carismática propõe um “rebatismo”, ou um “segundo batismo”. Ora, uma das principais características que singulariza a Renovação Carismática e a faz diferente do Pentecostalismo, demarcando… “este é pentecostal”… “aquele é carismático”… é justamente a rejeição desse conceito de segundo batismo para afirmar a fé num só batismo! Isto é característico da
Renovação Carismática! Outra característica que diferencia a Renovação Carismática, em seu arcabouço teológico, do Pentecostalismo, é o lugar dos dons carismáticos na vida cristã; eles não são vistos como condição “sine qua non” para considerar alguém “batizado no Espírito Santo”.
Um dado curioso, que resulta exatamente dessa diferença na consideração dos carismas, é o modo como, por exemplo, o dom das línguas aparece na Renovação Carismática e o modo como é exercido no Pentecostalismo. Na Renovação, desenvolveu-se muito o “júbilo em línguas”, o “cantarolar em línguas” e se concebe como um “dom de oração”, que pode ser usado sempre que se vai orar… As palavras já não vão conseguindo expressar o louvor, a súplica, a intercessão, a adoração… e vão dando lugar às línguas. No mundo pentecostal, porém, o “falar em línguas” é algo mais “solene”… uma evidência de um mover extraordinário de Deus (e não um dom de oração). Enfim… São nuances… Diferenças interessantes a serem consideradas, muito embora não se possa categorizar e afirmar “todos os carismáticos são assim”… “todos os pentecostais são assado”… Não.
A Renovação Carismática Católica é uma infiltração protestante?
A profissão de fé é própria de seres livres; é própria de pessoas. Uma escultura, um livro, uma canção, uma pintura, um edifício não fazem “confissão de fé”. Nós dizemos que uma “coisa” é ou não “católica” a julgar pelo seu conteúdo. Não é a autoria o que confere ou retira a catolicidade de uma obra, mas tão somente o seu conteúdo. Infelizmente, há bispos, padres, religiosos, consagrados e leigos escrevendo, cantando e compondo coisas que não são católicas, e o fato de os autores o serem, não confere catolicidade a essas obras. Dentro deste mesmo raciocínio, por outro lado, se uma obra está de acordo com aquilo que o Magistério custodia e transmite, ela é “católica”, mesmo que seu autor, por algum motivo, não o seja. Autores como Tertuliano e Orígenes nos edificam muito com seus escritos. Contudo, nem tudo o que estes autores nos deixaram é condizente com a Doutrina Católica; isto, contudo, não desmerece em nada as obras realmente católicas que eles nos legaram. Não são poucos os que leem e recomendam C.S. Lewis, por exemplo, ou que executam as composições de Johann Sebastian Bach, mesmo que sejam protestantes (e a lógica é a mesma). Pouco posso afirmar sobre a santidade de Dietrich Bonhoeffer (embora seu testemunho de vida virtuosa seja eloquente); por outro lado, ele não é, em nada, “menos mártir” que Santa Edith Stein.
Neste sentido, a Renovação Carismática Católica não é uma infiltração protestante porque os elementos pentecostais acolhidos pela Igreja Católica na RCC são unicamente aqueles que condizem com o Depósito da Fé da Igreja, custodiado e transmitido a nós pelo Magistério da Igreja. A RCC é, em certo sentido, o contrário desta acusação: Ela é a “catolicização” do Pentecostalismo.
A História do Pentecostalismo entre os Católicos será contada em outro artigo.